Poucas cantoras de ópera forma mais dedicadas, mais aplicadas, mais profissionais do que Callas. (...) O resultado dessa total concentração no seu ofício, dessa dedicação sempre no limite de suas possibilidades explica, talvez, porque uma cantora com uma voz tão desigual, tão "cheia de defeitos" (para os críticos mais tradicionais), pôde atingir uma posição tão alta no Olimpo das divas do seu tempo. Pois Callas, de fato, se transfigurava inteiramente – não só no nível de encarnação do personagem, no plano teatral, mas também no nível da voz – em função da ópera que fosse cantar. A voz de Norma não era absolutamente a mesma de Cio-Cio-San, que também não era a de Lucia de Lammermoor, ou a de Medea: sua emissão vocal podia se tornar mais densa, terrena, sombria, capaz de exprimir afetos como ódio, escárnio (interpretando Lady Macbeth, ou Medea, por exemplo) ou ficar mais fluida, etérea, clara, capaz de compor uma inocência adolescente (como a de Cio-Cio-Sam) ou de exalar jovialidade (como Amina, em La Sonnambula).
Neste livro, Alfredo Naffah Neto relata lindamente a trajetória de Maria Callas. Um ser humano extremamente frágil e uma artista feroz. Com uma história tão difícil, Callas conseguiu dar vida a várias personagens, entregando-se integralmente. Talvez possamos dizer que envelheceu cada uma das suas vidas e a si mesma nessa curta carreira.
Sua voz não era unanimidade. Uns a diziam feia. Outros, insuficiente. Mas o que fazer se Callas encarnava suas personagens a ponto de se tornarem não apenas referências, mas únicas? Trouxe consigo o novo. Num tempo em que a única coisa realmente importante na ópera era a voz, Maria Callas agregou a esta arte o teatro. Agora a ópera estava completa.
Alfredo Naffah Neto faz um paralelo entre Norma, personagem da ópera homônima de Bellini e a conturbada vida de Maria Callas, sua maior intérprete. A partir da visão psicanalítica, Naffah conta a trajetória de Norma, sacerdotisa druida que, tendo uma vida casta, apaixona-se por Pollione. Callas, por sua vez, faz sua profissão um sacerdócio, que começa a desmoronar, também por amor.
Norma, de Bellini; Tosca, de Puccini; La Traviata, de Verdi; Maria. De Onassis. O armador grego apresentou Maria a Callas, a mulher à Diva. Sempre preparada para suas personagens, Maria enfrentava, então, seu maior desafio: ser mulher. Acostumada a saber de antemão as reações e finais de suas heroínas, vivia agora uma história onde o final era desconhecido. Mas a mulher que deu um novo rumo à ópera não levou a cabo a construção de seu maior personagem.
Assim como norma. Callas, ou melhor, Maria, diante do rompimento do vínculo amoroso com Onassis, entra em ruínas.
Valendo-se do conceito de pulsão de morte e da desmesura que pode atingir sua intensidade, Naffah nos propõe um intercâmbio entre a arte do canto e a psicanálise com o respeito que é só quem conhece muito bem essas duas áreas poderia oferecer.
Paulo Mandarino, tenor
Apresentação, por Luis Cláudio Fígueíredo 9
I
Casta Diva:destinos da pulsão de morte na Norma, de Bellini 15
Psicanálise e Romantismo 15
Pulsão de vida e pulsão de morte no amor romântico 22
Casta diva; Norma amante 35
Pulsão de morte: o ódio destrutivo eclode 41
Desejos filicidas - uma passagem ao ato interrompida 45
Impulsos autodestrutivos aplacados 49
A espera: devaneios do desejo e irrupção da crua realidade 51
Entre amor e ódio 53
O ataque à relação Pollione-Adalgisa: ciúme, ameaça vingativa, prazer sádico e remorso 56
A escolha da morte como glorificação amorosa 58
Reencontro erótico-tanático 60
À guisa de concluir 64
II
Maria Callas e a sombra de Norma 67
Cecília Sofia Anna Maria Kalogeropoulos - sombra de uma ausência 67
Tornando-se Maria Callas: o encontro de uma mãe musical 74
Tornando-se Maria Callas: encontrando um oportunista, um pai musical e um pai/marido 81
Maria Callas e a sombra de Norma 87
A hegemonia de Callas, a sacerdotisa 91
Maria, a mulher assume a direção 101
A morte de Callas 108
Maria (e) Onassis 116
A morte de Maria 119
Ao sacrifício das divas, a nossa gratidão 124
Glossário dos termos musicais 129